Weird: O Horror da Era Pulp

Com certeza você já ouviu falar da ficção Weird. Nomes como Lovecraft, Clark Ashton Smith e Robert E. Howard, famoso pelo Conan e seu Weird Western, estão entre os principais autores do gênero. A ficção Weird costuma gerar tanto elogios quanto críticas. E há boas razões para essas opiniões opostas.

A verdade é que a ficção Weird não é para qualquer um. Há quem goste e há quem deteste a falta  de resolução e coesão de algumas histórias.

A ficção Weird é quase como um pacto secreto com o inesperado. Ao contrário de histórias tradicionais de terror, ela não se contenta em assustar com fantasmas em mansões góticas ou monstros saindo das sombras para te dar um susto ‘previsível’. Não, a ficção Weird quer mais. Ela quer mexer com você, virar sua percepção do avesso, desestabilizar suas certezas e arrancá-lo do conforto da lógica.

Essa ficção vai além do medo simples. Ela tira sua segurança e desvia você das respostas fáceis. Como leitores, somos apenas visitantes, tateando na escuridão.

Definição

A ficção Weird, como subgênero literário, combina horror, fantasia e ficção científica, rompendo com as convenções desses gêneros. Ela não apenas assusta, como no horror tradicional, nem maravilha (ou algo assim) como a fantasia. Seus enredos fogem da racionalidade, colocando a ciência em segundo plano. A ficção Weird desafia o racionalismo e a centralidade humana, expressando um universo onde o conhecimento e as leis naturais são frágeis e podem ruir a qualquer momento.

Essa narrativa ‘disruptiva’ reflete uma visão de mundo própria: um cosmos indiferente e hostil. O medo, aqui, surge da quebra da normalidade — não apenas por criaturas ou fantasmas — mas pela sensação de que há algo profundamente errado e inescapável. É como se fosse uma mistura do profano e do misterioso.

Os autores do gênero frequentemente exploram temas como a loucura, a perda de controle, e trazem perspectivas estranhas que aumentam nossa ansiedade. Muitas vezes, jogam o leitor no escuro, junto dos personagens, forçando-os a dar sentido aos eventos. Portanto, é difícil definir o que é Weird, porque é difícil definir o que é verdadeiramente estranho.

Talvez “angústia frente ao bizarro” seja uma boa definição para o gênero.

Na ficção Weird o terror se tornou mais disforme, abrindo mais espaço para curiosidade. É incômodo olhar, ainda assim a tentação de ver é desumana. Tome como exemplo Cthulhu, ele não é apenas uma criatura aterradora; mas, um horror existencial, uma afronta à própria lógica,  uma bisbilhotada no outro mundo. 

A Origem no Gótico

Este subgênero existia antes das divisões claras entre ficção científica, terror e fantasia. Era uma época em que histórias sobrenaturais exploravam temas macabros sem rótulos definidos.

O termo Weird começou a ganhar destaque no início do século XX, mas já era usado para descrever obras góticas e sobrenaturais de autores anteriores. Sheridan Le Fanu, autor de Carmilla, é um dos precursores da ficção Weird. Ele foi pioneiro em criar atmosferas densas de desconforto e incerteza. O que torna Le Fanu essencial para o desenvolvimento do Weird é sua habilidade de explorar o terror não apenas como algo externo. Suas histórias mergulhavam no terror psicológico, apresentando visões enlouquecedoras de um mundo implacável, malicioso e intimista.

Outro autor que disputa o pioneirismo da ficção Weird é Edgar Allan Poe. Claro, Poe é uma presença constante em discussões sobre literatura. Suas histórias sobre medo, perversão, corrupção e loucura tornavam o horror psicológico ainda mais contundente. Num período em que o terror ainda dependia de folclores e lendas, Poe adentrou o mundo introspectivo. Ele nos levou a um lugar de pavor existencial, de um abismo intenso e enlouquecedor. Acho que foi ele quem realmente trouxe o fascínio pelo estranho.

O Weird de William Hope Hodgson

William Hope Hodgson é um nome fundamental, mas muitas vezes pouco comentado, dentro da ficção Weird. De fato, ele era um visionário.

Embora seu trabalho mais famoso seja o romance The House on the Borderland e o detetive Carnacki, Hodgson se destaca por explorar o horror aliado a sua vasta experiência pessoal no mar. O terror marítimo é um pilar da ficção Weird. Como marinheiro, ele conhecia intimamente o isolamento, os perigos e os mistérios das profundezas oceânicas. E soube explorar esses temas de forma única em sua escrita.

O terror marítimo é um tropo importante da ficção Weird; o desconhecido, o incontrolável e o isolamento. As criaturas que emergem das profundezas são diferentes de qualquer coisa familiar, representando não apenas perigo físico, mas também a ruptura com qualquer senso de normalidade ou segurança. O oceano é o cenário perfeito para esse tipo de terror — vasto, misterioso, insondável e implacável.

Hodgson teve uma contribuição enorme à ficção Weird, antecipando até mesmo o estilo de autores como Lovecraft. Contudo, sua importância ainda é muito subestimada.

Para mais sobre Hodgson, acesse 12 Best Nautical Horror Stories by William Hope Hodgson (Other than The Voice in the Night)

Início do Século XX

Entretanto, com a virada para o século XX, novas obras começaram a ir além do horror gótico e psicológico. Foi nesse período que o termo ‘Weird fiction’ começou a ganhar destaque. Ele passou a descrever histórias que fugiam das normas do terror clássico. Além de Hodgson, já mencionado, também temos Robert W. Chambers com seu clássico The King in Yellow.

Outro autor importante foi Lord Dunsany, um irlandês cujo trabalho influenciou tanto o horror quanto a fantasia. Ele se destacou pela criação de atmosferas oníricas, prosa poética e uma abordagem imaginativa de temas sobrenaturais. Arthur Machen também é um nome essencial da Weird fiction. Conhecido por The Great God Pan (1894), sua obra foi inspirada por experiências pessoais em ruínas de templos pagãos.

Por fim, Algernon Blackwood trouxe à ficção Weird uma sensibilidade única. Ele explorava a ideia de que existem outros mundos ‘irreais’ sobrepostos ao nosso e que as fronteiras entre eles são tênues e perigosas. Para H.P. Lovecraft, Blackwood foi o “mestre absoluto e inquestionável da atmosfera weird”.

A Era das Revistas Pulp e o Crescimento do Subgênero

Lovecraft é amplamente considerado o maior expoente da weird fiction. Seus mitos de Cthulhu, popularizados por August Derleth, e suas histórias de terror cósmico elevaram o gênero a um patamar cultuado. Lovecraft não apenas abraçou o termo “weird fiction”, como também o redefiniu.

Em seu famoso ensaio Supernatural Horror in Literature, ele apresenta um tratado sobre o horror, com sua introdução atemporal: “A emoção mais antiga e forte da humanidade é o medo, e o tipo de medo mais antigo e forte é o medo do desconhecido.”

As revistas pulp foram o grande veículo de distribuição da ficção weird no início do século XX. Publicadas em papel barato e vendidas a preços acessíveis, essas revistas abriram as portas para o mundo do estranho. Entre elas, Weird Tales se destacou como a principal vitrine do gênero.

Fundada em 1923, Weird Tales rapidamente se tornou um ícone. A revista apresentou não apenas as obras de H.P. Lovecraft, mas também de Clark Ashton Smith e Robert E. Howard. Além disso, August Derleth, defensor de Lovecraft, não apenas publicou suas obras, mas também expandiu o universo do autor com suas próprias histórias.

A combinação de histórias de qualidade visceral com ilustrações chamativas e títulos provocativos garantiu o sucesso da ficção Weird no mercado literário. As revistas pulp democratizaram o acesso a essas narrativas bizarras e angustiantes, possibilitando que novos talentos emergissem. Autores como Frank Belknap Long, Robert Bloch, Fritz Leiber, Henry Kuttner e Seabury Quinn se tornaram nomes proeminentes da weird fiction, mantendo o gênero vivo e crescente.

A Ficção Weird nas Revistas Pulp

Naquele momento, com o mercado literário em expansão, a divisão de gêneros ganhava importância e reconhecimento. Ainda assim, a ficção Weird conquistava seu próprio espaço. A fusão entre a ficção Weird e os temas pulp criou uma narrativa icônica, que moldou boa parte da literatura de gênero do século XX. Com sua natureza maleável e experimental, a ficção pulp ofereceu um terreno fértil para o Weird florescer.

As revistas pulp, com seu apelo popular e histórias rápidas e intensas, se tornaram a plataforma perfeita para essa junção criativa. Eram conhecidas por narrativas cheias de ação, mistérios e reviravoltas. Nesse ambiente, a ficção Weird encontrou um lar natural. O horror cósmico e incompreensível passou a fazer parte de tramas onde só haviam detetives durões, exploradores destemidos e heróis enfrentando adversidades.

Um ponto de convergência entre a ficção Weird e os temas pulp foi o fascínio compartilhado pelo exótico. A obsessão cultural por terras distantes, civilizações perdidas e mistérios aguardando para serem desvendados era um motor criativo. Esse espírito de aventura impulsionava os escritores pulp, que criavam cenários repletos de antigas ruínas, florestas desconhecidas, desertos intermináveis e mares inexplorados. Nesses cenários, o comum e o sobrenatural se entrelaçavam perfeitamente.

A Ficção Weird Como Reflexo dos Medos

Agora, ficção Weird vai além de um simples exercício de imaginação; ela reflete as ansiedades de sua época — e continua relevante graças aos autores contemporâneos que ainda exploram o gênero. Em particular, durante a era industrial e após a Primeira Guerra Mundial, as narrativas Weird refletiram uma crise cultural onde a modernidade e suas inovações trouxeram à tona alguns temores.

O crescimento das cidades, a mecanização do trabalho e a crescente dependência da tecnologia geraram incertezas. A ficção Weird capturou essa ansiedade e a transcreveu em formas assustadoras. Forças incontroláveis, perigos desconhecidos, sensação de impotência e vulnerabilidade tomaram conta das páginas. Os protagonistas frequentemente sucumbiam ao desespero, vítimas de um universo implacável.

Após a Primeira Guerra Mundial, o tom sombrio, pessimista e niilista da ficção se intensificou. Verdades fundamentais foram subvertidas, e os homens se tornaram peças insignificantes de um jogo cósmico. A ascensão da ciência e a perda de certezas religiosas também intensificaram essas angústias. Essa perspectiva desafiava a ideia de um universo ordenado, invertendo as noções de moralidade e significado. O resultado foi um sentimento profundo de desamparo existencial.

Mesmo histórias que não lidam diretamente com o sobrenatural revelam personagens e narrativas desreguladas, distantes do familiar e intimamente aversivas que lemos distante das páginas.  

Arquétipos Recorrentes na Ficção Weird

A ficção weird é marcada por uma série de arquétipos que ajudam a construir seu caráter único e, fundamentalmente, inquietante. Elementos narrativos que aprimoram a atmosfera de terror e estranheza. Vamos dar uma olhada em alguns dos arquétipos mais recorrentes.

A Criatura Alienígena e o Horror Desconhecido

Um dos arquétipos mais poderosos na ficção weird é a criatura alienígena, uma entidade que desafia qualquer tentativa de categorização. Essas criaturas muitas vezes vão além do entendimento humano, apresentando-se como seres indescritíveis e ilógicos. Elas encarnam o terror da percepção de que existem forças no universo que não apenas nos desafiam, mas que também nos ignoram. Um exemplo é o Cthulhu. Essa criatura, com sua forma grotesca e sua presença esmagadora, simboliza a insignificância da humanidade em comparação com os horrores cósmicos que habitam o universo. O fato de que tais seres possam existir provoca uma sensação de desamparo e torna a realidade muito mais complexa e aterrorizante do que podemos imaginar.

Universo Indiferente

O tema de um universo vasto e indiferente ao destino humano é uma característica marcante da literatura mais niilista, não apenas no Weird. Histórias que retratam um cosmos que não se importa com a existência humana, onde a vida é uma série de eventos aleatórios e descontrolados, e onde as esperanças e aspirações dos indivíduos são irrelevantes. Para Lovecraft, a humanidade é apenas uma nota de rodapé em uma narrativa muito maior.  Essa perspectiva intensifica o terror existencial e provoca reflexões profundas sobre o lugar da humanidade no universo. A ficção Weird, no entanto, não oferece respostas reconfortantes.

Personagens Impotentes

Nas histórias weird, os protagonistas frequentemente se deparam com a impotência diante do horror. A qualquer momento, eles podem perder o controle e ser engolidos pela vastidão. Ele não pode lutar contra a verdade que descobre, e seu destino se torna uma questão de inevitabilidade. Esse tipo de narrativa ressalta a vulnerabilidade humana

A Loucura Como Tema 

Este arquétipo reflete não apenas o terror da perda de controle, mas também a fragilidade da mente frente à vastidão e à complexidade do universo. A loucura não é apenas uma consequência das experiências traumáticas que os personagens vivenciam; ela também serve como um aviso para aqueles que se atrevem a desafiar o que habita nas sombras. 

Horror Marítimo

O horror marítimo é um arquétipo forte na ficção weird,  associado à vastidão do oceano e aos terrores que vivem nas profundezas. A sensação de isolamento e de mistério, onde as profundezas do mar escondem segredos sombrios e criaturas abissais, aliado a imprevisibilidade das forças da natureza são fonte de inúmeras histórias.

O Ocultismo e o Místico

O ocultismo e a exploração de temas místicos também são prevalentes na ficção weird. Muitas histórias mergulham em rituais antigos, cultos secretos e práticas esotéricas — explorando como o conhecimento proibido pode ser uma porta para horrores inimagináveis.

Narrativas Intimistas

As narrativas intimistas são um componente vital da ficção Weird, onde a história se concentra em experiências pessoais e subjetivas. Esse enfoque permite que os leitores mergulhem nas mentes dos personagens, explorando suas emoções, medos e ansiedades em um nível profundo e visceral. 

Conclusão

Certo, nossa passada pela ficção Weird foi rápida e, com certeza, temos espaço para muito mais, ainda há muitos autores modernos que mantém o gênero vivo e pulsante. China Miéville, e Jeff VanderMeer estão entre os que mantêm viva essa tradição.

Desde os primeiros contos de Sheridan Le Fanu e Edgar Allan Poe até os trabalhos mais contemporâneos, essa narrativa nos desafia a confrontar verdades ocultas sobre nós mesmos e o mundo ao nosso redor. Assim, espero que essa introdução tenha provocado sua curiosidade. 

Sinta-se incentivado a ler os autores mencionados e muitos outros que também merecem destaque. A ficção Weird é uma jornada fascinante que vale a pena explorar!

2 thoughts on “Weird: O Horror da Era Pulp”

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