O horror se manifesta de muitas formas: o grito abafado na escuridão, a figura à espreita na floresta, a sensação inevitável de que algo terrível está para acontecer. Em Duskmourn, o terror emana de cada carta, evocando o pânico de enfrentar forças que estão além do nosso controle. Neste artigo, vamos explorar como esse medo se transforma em arte. Criaturas das trevas, cenários grotescos e homenagens a clássicos do horror compõem o arsenal desse universo sombrio.
História
Imagine uma casa dos horrores. Uma casa infinita, repleta de cômodos que se entrelaçam como um labirinto interminável. Esse é o plano de Duskmourn. Tudo o que restou dessa dimensão é essa gigantesca mansão, controlada pelo demônio Valgavoth.
Nessa história, Nashi desaparece misteriosamente após atravessar uma porta enigmática. Não há muitas pistas sobre seu paradeiro, exceto por uma gravação que revela os horrores habitando aquele outro mundo. Para resgatar Nashi, Kaito reúne uma equipe, e juntos eles atravessam a porta, dispostos a enfrentar a dimensão mais macabra da franquia. À medida que exploram esse mundo sinistro, a esperança de escapar começa a desaparecer, sendo lentamente devorada pela fome insaciável de Valgavoth.
Duskmourn: Um Set para Quem Tem Medo
O plano de Duskmourn já foi um lugar comum, como vemos no início da história, uma típica cidade americana ambientada nos anos 80. No entanto, algo inexplicável aconteceu: a casa engoliu aquele mundo. Agora, até o sol e a lua tornaram-se prisioneiros, e nada mais existe fora de seus cômodos. A cada piscar de olhos, os quartos mudam de configuração, criando uma atmosfera de desorientação constante. Em todos os lugares, as mariposas, a face de Valgavoth e o símbolo do set vigiam silenciosamente. Os olhos nas asas das mariposas são, na verdade, os olhos da casa.
Um dia, a casa pertenceu à família Vendrell. Após anos de abandono, Marina Vendrell encontrou o demônio aprisionado no porão. Foi através dela que Valgavoth conquistou sua liberdade e começou a devorar o plano.
A narrativa é escrita por Mira Grant, e você pode acompanhar mais dessa sombria história no universo de Magic: The Gathering.

Os Anos 80 Nunca Morrem
Desde o início, as influências do terror sobrenatural dos anos 80 são evidentes, especialmente a famosa experiência que aterrorizou a família Lutz em O Horror em Amityville. Esta história já conta com mais de 40 filmes desde 1979, sendo o original baseado no livro The Amityville Horror, de Jay Anson. Assim como no set Duskmourn, onde uma força maligna transforma a casa em um labirinto de horror, Amityville capturou o medo de que nossos lares podem abrigar forças além de nossa compreensão.
O horror dos anos 80 deixou uma marca profunda na cultura pop, com uma mistura de excessos visuais, criaturas icônicas e uma abordagem ousada. Tanto o cinema quanto a literatura de terror abraçaram uma estética mais gráfica e psicológica. A Hora do Pesadelo, Sexta-Feira 13, O Enigma de Outro Mundo, Hellraiser, O Iluminado, Evil Dead, Poltergeist, Brinquedo Assassino (Chucky), além de Amityville e Halloween, lançados no final dos anos 70.
Casas Assombradas e Possessões
Nos anos 80, a ideia de uma “casa maldita” ganhou força, evoluindo em obras como Poltergeist (1982). Nesse filme, uma família comum é aterrorizada por fenômenos paranormais em sua casa suburbana. Esse subgênero subverte a noção de que o lar é um espaço seguro, transformando-o em uma verdadeira prisão psicológica. A casa, juntamente com as entidades que a habitam, emana uma força invisível e implacável.

No tema da possessão, o ambiente deixa de ser apenas assombrado, tornando-se ativamente hostil, consumindo a mente de seus habitantes até levá-los à loucura. Filmes como O Exorcista (1973) abriram as portas para explorar esse tipo de medo. Aqui, a perda de controle é uma ameaça constante, onde a subversão da identidade leva os personagens a anseios primitivos e corruptos.
O conceito de uma casa assombrada, que lentamente consome tudo ao seu redor, ecoava profundamente no imaginário religioso e cultural da época. Nos anos 80, o conservadorismo religioso, especialmente nos Estados Unidos, influenciou fortemente as produções cinematográficas. Não é coincidência que as sobreviventes dos filmes de terror fossem, em sua maioria, garotas inocentes e puras. Personagens que se engajavam em comportamentos “imorais”, como sexo antes do casamento, uso de drogas ou rebeldia contra autoridade, geralmente eram as primeiras vítimas das forças sobrenaturais ou dos assassinos. Nessas obras, comportamentos imprudentes ou fora das normas sociais levavam a consequências terríveis.
Slasher e O Terror Psicossocial

Nos anos 80, o subgênero de slashers firmou-se como uma força dominante no cinema de terror. Freddy Krueger, Jason Voorhees, a violência gráfica, adolescentes idiotas. Mas, além da brutalidade explícita, esses filmes abordavam a vulnerabilidade em espaços comuns e exploravam a fragilidade das instituições. Frequentemente, as vítimas eram jovens, simbolizando a transição da inocência para a vida adulta, e qualquer comportamento que desviasse da moralidade convencional era punido violentamente.
Isso refletia a ansiedade cultural da época, em torno das liberdades pessoais e das normas sociais.
Ao longo da década, com o aumento da violência urbana, os slashers capturavam a crescente desconfiança em relação à capacidade das instituições de proteger as pessoas. A polícia, os pais ou outras figuras de autoridade são ineficazes ou impotentes diante da ameaça. Outro tema comum eram os distúrbios pós-traumáticos, traumas psicológicos. Não bastava apenas sobreviver ao assassino; era preciso lidar com os efeitos psicológicos do terror. As “Final Girls”, por exemplo, frequentemente voltavam em continuações, profundamente afetadas, trazendo cenários como hospícios e asilos.
Criaturas Monstruosas, Body Horror e Efeitos Práticos
Criaturas monstruosas e sobrenaturais, como alienígenas, mutantes e aberrações de laboratório, dominaram o horror dos anos 80, trazendo à tona o medo do desconhecido e do incontrolável. Filmes como O Enigma de Outro Mundo (1982) e A Mosca (1986) destacaram-se ao usar efeitos práticos que tornaram as cenas de mutação um verdadeiro espetáculo visceral. Deformações grotescas, tentáculos surgindo e massas amorfas eram criadas com uma sensação de tangibilidade que intensificava o horror. David Cronenberg, pioneiro no subgênero do Body Horror, aprofundou essa ideia, trazendo o medo de que o monstro se tornasse parte de você, transformando sua própria identidade em algo repulsivo.
Os efeitos práticos foram essenciais para esse impacto visual. Maquiagens elaboradas, próteses cuidadosamente moldadas, animatrônicos complexos e técnicas de stop-motion criaram um estilo visual icônico. Mesmo décadas depois, esses efeitos ainda impressionam, seja por sua qualidade atemporal ou pela criatividade que marcou essa era.
Ao inspirar-se no horror dos anos 80, Duskmourn incorpora esses elementos icônicos em suas cartas. Monstros deformados, terror psicológico e uma atmosfera sobrenatural dominam o set, provocando os medos mais profundos dessa era marcante. Cada carta cria uma experiência imersiva, trazendo à tona os terrores mais viscerais que moldaram o gênero. Embora as referências sejam vastas e pudéssemos dedicar milhares de palavras a cada carta, escolhi algumas para destacar.

Overlord of the Boilerbilges
Vamos começar com a minha favorita, Overlord of the Boilerbilges. Visualmente, a criatura combina elementos biomecânicos, trazendo uma aparência industrial. “Boilerbilges” pode ser traduzido como algo próximo de “caldeira”, e a versão em português ficou “Soberano do Bojo da Caldeira”. Aposto que essa carta tem influências tanto do cenário de Fred Krueger quanto da caldeira do Hotel Overlook.

O ser é uma fusão de máquina e monstro: partes de metal e mecânica interligadas de forma grotesca.
As caldeiras, máquinas a vapor e fábricas sujas, temas recorrentes no horror industrial, reforçam a sensação de que o progresso tecnológico sempre vem acompanhado de exploração humana e ambiental. A criatura é massiva, com garras afiadas e braços metálicos que lembram guindastes. Seu rosto, uma mistura de inseto e pesadelo, parece saído de um surrealismo distorcido, uma junção de fantasia onírica com horror grotesco.
Há também uma clara influência japonesa, especialmente no estilo steampunk que remete a obras como O Castelo Animado. No estilo japonês, mesmo as figuras mais grotescas ou monstruosas conseguem exalar um carisma peculiar. Apesar de sua natureza ameaçadora, Overlord of the Boilerbilges possui um charme estético que cativa o olhar, uma característica marcante em muitos monstros da cultura visual japonesa.
Valgavoth, The Terror Eater
A próxima carta é Valgavoth, the Terror Eater, que traz um visual que mescla poder cósmico e corrupção. A criatura exibe várias asas ou tentáculos que se estendem de seu corpo, formando uma figura simétrica e inquietante. Sua textura é detalhadamente orgânica, lembrando a aparência de uma mariposa. A influência do horror cósmico é clara aqui, remetendo diretamente à vastidão.

O design de Valgavoth parece fortemente inspirado pelo trabalho de H.R. Giger e Zdzisław Beksiński, ambos mestres em capturar o horror surreal e distorcido. Além disso, há um toque de design medieval religioso, com a criatura evocando a imagem de um anjo de múltiplas asas, porém corrompido.
A mariposa é o símbolo de Valgavoth, o que não é incomum no terror. Mariposas e borboletas frequentemente enfeitam o gênero. No livro O Silêncio dos Inocentes, por exemplo, o assassino Buffalo Bill coloca pupas de mariposa nas bocas de suas vítimas. O Homem-Mariposa de West Virginia também é uma lenda famosa. Além disso, a deusa Psique é representada com asas de borboleta, simbolizando a alma. Essas criaturas aladas também aparecem no jogo Silent Hill e, no Brasil, a mariposa Ascalapha odorata é conhecida como “Bruxa”. Nos Estados Unidos, é chamada de Black Witch, e, no mundo hispânico, “La Mariposa de la Muerte”.
Cursed Records
Em Cursed Records e uma série de cartas similares, vemos o clássico tropo de fantasmas ou espíritos aprisionados em televisores. Elas lançam mão de interferências ou estática para criar distorções nas imagens e sons. Filmes como Poltergeist (1982) ajudaram a popularizar a ideia de espíritos se comunicando ou sendo liberados através da TV, estabelecendo um novo medo ligado à tecnologia.

Sadako, de Ringu, e sua versão ocidental, Samara, de O Chamado, são exemplos icônicos desse clichê. A ideia de a tecnologia servir como ponte entre dimensões espirituais e físicas, intensificando o terror pela subversão do cotidiano.
Overlord of the Hauntwoods
Overlord of the Hauntwoods provoca um desconforto imediato, combinando elementos de horror gótico, folclore macabro e criaturas míticas que remetem a entidades sombrias das florestas. A princípio, sua forma lembra um inseto com várias patas, mas as hastes com bandeiras que se estendem de sua cabeça evocam um forte toque japonês. Seu corpo, composto de formas que remetem a galhos ou raízes, reforça essa conexão com a natureza e sugere uma entidade antiga e poderosa, como o senhor de uma floresta de fantasia sombria.

A criatura parece emergir de uma tradição Dark Fantasy com horror oriental.
Doomsday Excruciator
Doomsday Excruciator é uma representação clássica de demônios na arte ocidental, lembrando gravuras antigas. Suas asas de morcego, corpo meio humano e meio cabra, chifres e, por vezes, uma barba, remetem diretamente a essas tradições. Características similares são vistas em obras de artistas como Gustave Doré e, especialmente, nas “Pinturas Negras” de Francisco de Goya, como em El Aquelarre (O Sabá das Bruxas).

A origem desse arquétipo demoníaco provavelmente vem dos antigos deuses pagãos, que muitas vezes eram representados como híbridos de humano e animal. Entre os mais proeminentes está o deus Pã, conhecido por sua associação com práticas libertinas. Outra figura relevante é o Cernuno da mitologia celta. A representação mais famosa dessa figura provavelmente é a ilustração do ocultista Éliphas Lévi, que popularizou a imagem da divindade com cabeça de bode, inspirando-se nos relatos das inquisições dos templários.
Unsettling Twins e Orphans of The Wheat


A primeira carta tem uma inspiração óbvia, e não é a única do set a referenciar O Iluminado. Breaking Down the Door também faz uma homenagem icônica a Jack Torrance, recriando a cena atemporal do “Here’s Johnny!” enquanto ele quebra a porta com o machado. Já Orphans of the Wheat pode passar despercebida pelo público brasileiro, pois a obra de Stephen King, The Children of the Corn, foi lançada no Brasil com o título Colheita Maldita.
Encerrando Nossa Curta Visita A Duskmourn
Há inúmeras outras referências icônicas espalhadas por todo o set. Let’s Play a Game, com uma figura sinistra aparecendo na tela, é uma clara homenagem a Jogos Mortais. Irreverent Gremlin claramente faz alusão aos Gremlins, enquanto Altanak, the Thrice-Called evoca Beetlejuice e outras lendas em que você deve dizer o nome do fantasma três vezes para invocá-lo. Já Omnivorous Flytrap faz uma referência ao clássico A Pequena Loja dos Horrores.
Ao explorar a coleção, você se depara com espaçonaves alienígenas, zumbis, palhaços do mal e uma vasta variedade de monstros. Até mesmo Arabela, a Boneca Abandonada.
Conclusão
O set Duskmourn é uma verdadeira homenagem ao horror que moldou gerações, especialmente o dos anos 80. As criaturas deformadas, o terror psicológico e os temas sobrenaturais trazem à tona nossos medos mais “divertidos”, enquanto o uso inteligente de referências icônicas, desde filmes como O Iluminado até clássicos como Beetlejuice, cria uma conexão nostálgica que atrai tanto novos jogadores quanto fãs de longa data (eu acho).
Visualmente, as cartas impressionam com seu design que mistura o grotesco e o onírico, mostrando a influência de mestres do horror como H.R. Giger e David Cronenberg. Cada carta é uma peça de arte que traz não apenas a estética, mas também a essência do terror.
No fim das contas, Duskmourn foi uma experiência bastante aguardada e que nos leva a revisitar velhos pesadelos e nos desafia a enfrentá-los no campo de batalha. Com sua atmosfera sombria e rica em detalhes, o set se firma como um dos mais memoráveis em termos de narrativa visual e temática dentro do universo de Magic: The Gathering.
Também demos uma investigada em Assassinato Na Mansão Karlov, acesse o link para dar uma olhada.
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