Introdução
Há alguns dias, estive em uma busca completamente sem propósito atrás de uma edição especial de um livro do H.P. Lovecraft. Daquelas edições cheias de extras: concept arts, pôsteres, e outros brindes capazes de fazer qualquer um gastar seu dinheiro num mero pedaço de papelão. Encontrei uma edição incrível, com uma capa super interessante e vários atrativos que pareciam valer a pena. Como qualquer pessoa sensata, decidi conferir as avaliações dos compradores antes de fazer a compra. Foi então que me deparei com algo curioso: entre muitos elogios, algumas críticas negativas chamaram minha atenção.
Como fã de Lovecraft, claro que isso me incomodou. Afinal, defender o que amamos é quase um reflexo, certo? Então, decidi investigar o motivo dessas opiniões negativas. Será que a edição estava mal escrita, mal traduzida ou mal editada? Não. O problema era outro.
Li alguns comentários e encontrei uma crítica que parecia resumir o descontentamento geral: “histórias sem pé nem cabeça, apenas um monte de contos aleatórios sem conclusão, sem sentido, não explica nada.” Outros descreveram o livro como entediante, vazio e arrastado. Não era uma enxurrada de críticas, mas esses comentários capturaram minha atenção.
Essa pequena descoberta me fez refletir. Será que algumas das figuras que enaltecemos com tanta estima são realmente tão boas quanto pensamos? Não me refiro exatamente à qualidade técnica, mas à percepção que temos delas. Afinal, Lovecraft é realmente tão incrível assim? Ou melhor: quantas pessoas que falam sobre ele realmente já leram suas histórias?
Não estou aqui para criticar a habilidade do autor em contar histórias ou discutir seu notório preconceito. O que quero abordar é: por que algumas pessoas se sentem decepcionadas ao ler H.P. Lovecraft pela primeira vez?
O fascínio cultural em torno de Lovecraft
Quem foi H.P. Lovecraft?
Para alguns, H.P. Lovecraft é um gênio literário cujas obras transcendem o tempo e continuam a inspirar gerações de artistas. Nascido em 1890, em Providence, Rhode Island, nos Estados Unidos, ele é amplamente reconhecido como precursor do gênero do “terror cósmico”. Sua obra mergulha na ideia de que o universo é vasto, indiferente e assustadoramente incompreensível para a mente humana. Embora suas histórias não tenham sido populares durante sua vida, elas ganharam reconhecimento após sua morte, graças ao trabalho de August Derleth, fundador da Arkham House.
Entre seus textos mais famosos está “O Chamado de Cthulhu”, que introduziu o famoso Cthulhu, uma colossal e incompreensível criatura, cuja simples visão pode levar qualquer humano à loucura. Suas histórias vão além do tangível, aprisionando os leitores na ideia de uma insignificância esmagadora diante de forças tão hediondas.
Como Lovecraft foi moldado pela cultura pop
Lovecraft viveu como um recluso e publicava suas histórias, em sua maioria, em revistas pulp, e não tinham grande alcance. Após sua morte, porém, August Derleth preservou e expandiu suas obras, dando origem à cosmologia pela qual Lovecraft é amplamente conhecido hoje. Além disso, Lovecraft influenciou inúmeros escritores, diretores e artistas, mantendo seu legado vivo até os dias atuais.
Suas contribuições para a arte são vastas. Podemos ver suas digitais no horror, na ficção científica e na fantasia. Filmes como “O Enigma de Outro Mundo” e jogos como “Bloodborne” são exemplos bem conhecidos.
O que aconteceu foi algo curioso: a cultura pop transformou as criaturas e o terror vago de Lovecraft em ícones visuais. A partir dos comentários que descrevi acima eu percebi que, em muitos casos, a qualidade de um autor acaba descolada de sua obra. A opinião popular sobre Lovecraft parece muitas vezes baseada em uma concepção forjada. Afinal, como alguém pode formar uma opinião – seja positiva ou negativa – sobre algo sem sequer ter uma exposição sólida àquela obra, confiando apenas em vídeos-resumo ou conteúdos similares? Infelizmente, acredito que grande parte da cultura pop é fundamentada nessa superficialidade.
Um “falso” Lovecraft
Eu digo que a concepção sobre Lovecraft é forjada porque, a julgar pelos comentários que deram origem a essa discussão, as reclamações sobre o autor parecem recair justamente sobre as características principais de sua escrita. Escolhi Lovecraft como um exemplo notável disso, pois suas histórias exemplificam como muitas vezes criamos expectativas baseadas em impressões inautênticas.
Se toda a sua percepção dele é construída com base em imagens espalhadas pela internet, em alguém dizendo “horror cósmico isso, horror cósmico aquilo”, ou em textos que o aclamam como o grande arquiteto de uma mitologia riquíssima, é provável que você se decepcione ao ter contato direto com os contos do autor.
Na verdade, o legado de Lovecraft se manifesta na cultura popular de uma forma que nem sempre reflete o conteúdo de suas obras. Isso nos leva de volta à pergunta: “Lovecraft é realmente tão legal assim?” Nesse contexto, é interessante notar como ele se tornou uma figura icônica, mas cuja fama muitas vezes ultrapassa a familiaridade das pessoas com seus textos.
É comum ver pessoas elogiando o autor ou seu gênero literário, mesmo sem nunca terem lido um único conto. Muitas vezes, elas baseiam suas opiniões em informações fragmentadas ou idealizadas, como vídeos-resumo e referências da cultura pop. Envolvemo-nos nessas concepções superficiais e expressamos nossa admiração com base no que ouvimos ou vimos, em vez de no que realmente lemos.
Expectativas irreais
Acredito que um fenômeno semelhante ao de Lovecraft ocorre com uma das maiores influências dele, Edgar Allan Poe, um dos autores mais renomados de todos os tempos.
Pense por um momento: quanto você realmente sabe sobre este autor? Seja honesto consigo mesmo. O que você já leu de Poe? Talvez você mencione “O Corvo”, afinal, é provavelmente sua obra mais famosa. Mas será que você sabia que “O Corvo” é, na verdade, um poema? Mesmo que nunca tenha lido nada dele, é provável que tenha a impressão de que Edgar Allan Poe escreveu histórias incríveis, fantásticas e arrepiantes. Mas será que conhecemos de fato a escrita de Poe ou apenas assumimos que suas obras são macabras e fascinantes com base na imagem construída em torno dele?
Nós não compreendemos a escrita do autor e as nuances de sua prosa; não compreendemos a escolha das palavras, a estrutura elaborada dos parágrafos ou a qualidade das descrições que compõem suas narrativas. E, embora não seja necessário dominar esses aspectos técnicos, mais do que apenas imaginar a grandeza das obras de Poe, é essencial buscar um contato direto com sua escrita. Quero dizer, ter um contato real, sem os intermédios alucinógenos da Cultura Pop.
Também temos o exemplo de “A Metamorfose” de Franz Kafka. Todos evocam o que está escrito na primeira página do livro; o homem que acorda transformado em inseto. Mas, para muitos, a experiência literária para por aí, resumindo uma obra inteira a uma única ideia repetida exaustivamente.
A grande decepção: Quando as expectativas não correspondem à realidade
O estilo de escrita de Lovecraft: um obstáculo?
Ler Lovecraft pode ser desafiador, especialmente para leitores acostumados a narrativas mais diretas. Sua prosa é densa e prioriza a atmosfera em detrimento da ação. Ele escreve em um estilo rebuscado e altamente descritivo, frequentemente recorrendo a palavras arcaicas. Esse senso de antiguidade confere às suas obras uma aura de erudição, que ecoa a vastidão do conhecimento oculto permeando suas histórias. Enquanto alguns leitores se encantam com essa linguagem rica, outros a consideram uma barreira, tornando o texto mais opaco. Para quem prefere tramas de ação rápida ou diálogos dinâmicos, Lovecraft pode parecer pesado e desnecessariamente prolixo.
O terror na ausência
Outra fonte de decepção para alguns leitores é a maneira como Lovecraft retrata suas criaturas. Em vez de descrevê-las em detalhes gráficos, ele prefere sugerir, insinuar e enfatizar o efeito psicológico que essas entidades têm sobre os humanos. Essa abordagem pode ser frustrante para quem espera um terror mais explícito. Lovecraft busca transmitir, com uma clareza paradoxal, sensações vagas por meio do fantástico, rompendo as fronteiras da realidade como se esta fosse um tecido frágil prestes a se rasgar.
É nesse ponto que a angústia existencial assume um papel central, provocando-nos como um demônio astuto. Não há respostas definitivas para as perguntas que surgem em suas histórias, apenas conjecturas. É quase como participar de um jogo de adivinhação sobre o que existe além da morte. Essa ausência de respostas é justamente o que torna suas narrativas ainda mais intrigantes.
As lacunas e os vazios no texto encorajam a imaginação do leitor a preenchê-los com os piores horrores de sua mente. Resta-nos apenas especular, confiar ou desconfiar do narrador, supor o que é real ou imaginado. Mas, no fim, permanece uma dúvida persistente e um interesse quase sádico, alimentado pela nossa própria impotência diante da ausência de certezas.
A monotonia do terror cósmico
Alguns leitores podem afirmar que as histórias de Lovecraft seguem um padrão previsível. Há sempre algo antigo, inimaginável e aterrorizante além do entendimento humano. Embora essa contribua para a consistência de seu universo, ela também gera uma sensação de tédio para quem lê várias histórias seguidas. Apenas um monte de relatos aleatórios, soltos, fragmentados e desconexos. Você não encontra uma construção elaborada de mundo e uma mitologia repleta de deuses alienígenas com uma história vasta e profunda. Foi Derleth quem trabalhou para garantir que a contribuição de Lovecraft para o gênero do horror fosse devidamente reconhecida, preservada e expandida com os “Mitos de Cthulhu”. As histórias de Lovecraft se apresentam como relatos isolados, fragmentos de diários, cartas ou testemunhos pessoais, desprovidos de uma narrativa expansiva. São apenas pessoas tropeçando em eventos sobrenaturais inexplicáveis.
Conclusão
Isso é tudo o que eu tinha a dizer por agora sobre uma das razões pelas quais acredito que certas coisas parecem mais interessantes à distância. Nem todos os leitores vão gostar de Lovecraft, e isso é perfeitamente aceitável. Talvez ele seja simplesmente ruim e tenha sido glamourizado com o tempo. Seja você um fã ou um crítico, o melhor é mergulhar nas histórias por conta própria e formar sua própria opinião.
Seria ótimo se você pudesse compartilhar nos comentários o que pensa sobre tudo isso.
Obrigado por ler
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