Não é tão simples ser um gênio.
Quando pensamos em um gênio, frequentemente imaginamos alguém com ideias originais e inovadoras, como se isso fosse suficiente por si só. Acreditamos que basta ter a ideia mais criativa e revolucionária e estamos prontos para nos destacar.
No entanto, ser um gênio requer muito mais do que apenas ter algo incrível e original em mãos. Na verdade, talvez uma ideia nova seja o que você menos precise; afinal, qualquer ideia pode ser genial se for bem apresentada.
Esse é um tema que impacta bastante os escritores e artistas em geral. Aquela expectativa de encontrar a ideia certa, e frequentemente nos vemos correndo em círculos, achando que a ideia atual não é boa o suficiente e que a próxima será melhor.
Uma boa premissa pode dar origem a uma infinidade de histórias diferentes. Não é a premissa em si, mas o que fazemos com ela que realmente importa.
Não me esqueço do que Brandon Sanderson disse em uma de suas aulas: “As ideias não fazem o autor; os autores fazem as ideias funcionarem.” Ou seja, um bom autor é capaz de transformar barro em vasos de flores.
Não é tão simples ser um gênio.

“Matadouro 5” é um livro peculiar. É uma narrativa que se desenrola dentro de outra, incorporando elementos de autobiografia, viagem no tempo, alienígenas e críticas sociais, temas recorrentes na obra do autor. Vonnegut serviu como soldado na Segunda Guerra Mundial e foi capturado pelos alemães, passando um período como prisioneiro de guerra. Essa experiência, somada ao bombardeio de Dresden, serve como base para sua história. O interessante aqui é que nada disso é apresentado de maneira empolgante, mas sim de forma comedida e ordinária, refletindo a visão de Vonnegut sobre a banalidade da guerra.
A leitura começa com um homem, o próprio autor, comentando sobre a criação do livro e refletindo sobre sua experiência com o bombardeio da cidade de Dresden. Para explorar melhor suas memórias, ele entrevista outro veterano que também sobreviveu ao bombardeio. O dilema do autor está em como abordar essa história, tentando evitar algum tipo de sensacionalismo. Então, ele escreve seu livro e a narrativa que acompanhamos começa a partir do segundo capítulo.
Somos introduzidos a Billy Pilgrim, um optometrista e soldado que sobreviveu a Dresden. O problema é que Billy se encontra “solto no tempo”; ou seja, através de saltos temporais involuntários, ele experimenta eventos de sua vida fora de ordem cronológica, incluindo sua captura pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. Matadouro 5 é um abatedouro de animais em Dresden onde Billy e outros prisioneiros de guerra se refugiaram durante o bombardeio.
É uma narrativa pessoal; a escrita de Vonnegut tem um tom de conversa íntima, como se você estivesse ouvindo os relatos de um senhor de idade. Ele está contando suas antigas experiências na guerra com um toque de fantasia, como as viagens no tempo e a raça alienígena do planeta Tralfamador. É um livro sobre finitude, aceitação e futilidade, permeado por uma sensação de resignação e compreensão sobre a natureza da vida e da morte.
A narrativa ocorre de forma não linear, ou linear, uma vez que Billy está constantemente saltando no tempo, e para a narrativa não faz diferença a ordem em que esses eventos ocorrem, já que todos os momentos existem simultaneamente.
O único personagem que realmente importa no livro é Billy Pilgrim, um homem comum, passivo, arrastado pelo fluxo de vários momentos de sua vida. Billy nem mesmo é real dentro da narrativa; ele é uma criação do autor, concebido para vivenciar o desastre de Dresden em seu livro. Sua passividade e a maneira como é levado pelas circunstâncias são temas comuns entre os personagens de Vonnegut. Além disso, como Billy está constantemente viajando pelo tempo, já sabemos tudo o que vai acontecer com ele, do início ao fim. Sabemos que ele envelheceu e, portanto, sobreviveu à guerra; sabemos que se casou e que sua esposa morreu; sabemos que ele sobreviveu a um acidente de avião. Ainda assim, Vonnegut constrói um retrato sublime dos momentos da vida de Billy, sustentado por sua voz particular e autêntica.
Os saltos temporais de Billy Pilgrim, que deveriam ser caóticos — e de fato são —, nos mantêm envolvidos em um ritmo agradável e intrigante. Vonnegut constrói cada episódio com uma melancolia ao compreender que, assim como Billy, todos nós estamos à mercê do tempo, presos em nossas próprias viagens não lineares através de memórias e experiências.
Coisas da vida.
“Matadouro 5” não é apenas uma leitura, mas uma jornada fragmentada, onde a previsibilidade dos eventos não diminui a urgência de seguir em frente. Este é um exemplo perfeito de como uma boa escrita pode manter o leitor engajado sem depender de grandes surpresas ou ideias grandiosas.
E, sinceramente, estamos cercados disso: de narrativas das quais já temos uma pista de como terminam e mesmo assim, queremos atravessar essa estrada. Kurt Vonnegut demonstra em “Matadouro 5” que a maneira como uma história é contada é tão importante quanto a premissa em si.
Ter uma premissa é um bom começo para escrever um romance, mas é apenas o começo.
As ideias chegam até nós todos os dias em momentos de inspiração, através de reflexões ou experiências. Ideias são baratas; descobrir a história por trás da ideia é a parte cara.
Aqui é onde a maioria falha.
A premissa é apenas um ponto de partida; o verdadeiro trabalho de um artista é transformar premissas em uma obra real, viva e palpável.
Suas ótimas ideias não significam nada se elas só existem vagamente na sua cabeça. Premissas vagas são uma armadilha traiçoeira para qualquer artista, pensamos que temos tudo necessário para desenvolver o que imaginamos, mas então a fantasia encontra a realidade e nossas limitações, e vemos mais uma vez tudo desmoronar diante de nós.
Não é tão simples ser um gênio.
Mas existe algo de bom nisso: você não precisa mais ficar esperando por uma grande ideia. A forma pode transformar uma narrativa simples em uma obra-prima. Billy Pilgrim está solto no tempo, vivendo e revivendo cada momento de sua vida, sabendo exatamente o que vai acontecer, como um inseto preso no âmbar daquele instante. Um bom escritor transforma ideias simples em histórias que são capazes de se comunicar com o espectador. Um lembrete de que a maneira como uma história é contada pode abrir novas possibilidades e experiências.
Vonnegut humaniza o ato de contar histórias e destaca a subjetividade inerente de uma boa narrativa. Na literatura e na vida, a forma como percebemos e apresentamos nossas experiências pode moldar nosso entendimento, enriquecendo e ampliando seu impacto.
Acredite, você já está cercado de boas premissas ao seu redor; não espere por uma grande ideia aparecer. Vonnegut só precisou adicionar alienígenas em seu relato biográfico para se tornar um gênio.
A maneira como as histórias são contadas pode transformar o banal em extraordinário, o trágico em humano e fazer do absurdo a mais íntima verdade.
Tudo depende da narrativa que queremos contar.