Ao decidir fazer review de algumas revistas pulp, eu me deparei com uma difícil questão, qual revista pulp analisar primeiro? Escolher uma entre tantas opções no mercado, cada uma com sua relativa importância, para inaugurar as análises com o pé direito foi uma terrível tarefa ansiogênica. Uma tarefa que durou, não sei, 3 minutos.
Dado a minha afinidade com ficção científica, meu gênero favorito, e o fato de Amazing Stories ter sido uma revista importante para esse mercado, me pareceu justo começar com a Amazing Stories volume 1. Fundada em 1926 por Hugo Gernsback, embora tenha enfrentado dificuldades financeiras e perdido o controle da revista três anos depois, sua contribuição para popularizar o gênero foi inegavelmente crucial. Como a primeira revista dedicada exclusivamente à ficção científica, Amazing Stories desempenhou um papel pioneiro.
Naquela época, o termo “ficção científica” nem sequer existia, como pode ser visto nas tentativas de Gernsback em definir o gênero na página 8 desta edição.

“Há a revista de ficção usual, a revista de história de amor e o tipo de revista com apelo sexual, a revista de aventura e assim por diante, mas uma revista de ‘scientifiction’ é pioneira em seu campo na América.
Por ‘scientifiction’, quero dizer o tipo de história de Jules Verne, H. G. Wells e Edgar Allan Poe — um romance encantador intercalado com fatos científicos e visão profética. Por muitos anos, histórias dessa natureza foram publicadas nas revistas irmãs de AMAZING STORIES — “SCIENCE FICTION & INVENTION” e “RADIO NEWS”.
Essa revista não foi apenas um catalisador para a evolução do gênero, mas também uma parte fundamental da era pulp, um período vibrante na história da literatura popular.
Agora, vamos explorar as páginas amareladas deste volume, que nos brinda com histórias de hipnose, engenhocas malucas, fim do mundo e até mesmo criaturas invisíveis.
É importante notar que as análises das histórias certamente terão spoilers, então esteja avisado.
Para quem não está familiarizado com o formato de uma revista pulp, é bom compreender que ela consiste em uma série de histórias curtas, e uma narrativa mais longa ocupando o papel principal. Nesta edição, essa narrativa principal é…

“Off on a Comet”, também conhecido como Hector Servadac, é uma obra de Jules Verne originalmente publicada em 1877. O conto narra as aventuras do Capitão Francês Hector Servadac e seu companheiro Ben Zoof, que se veem transportados para uma terra diferente daquela que conhecemos após um fenômeno inexplicável.
E bem, temos aqui a história que menos capturou minha atenção e acabou ecoando para mim como a mais entediante da revista. Quero dizer, Hector Servadac não é o meu tipo favorito de história. O enredo de “pessoas sendo levadas para um mundo desconhecido e precisando se adaptar às suas novas circunstâncias, e enquanto isso, passaremos alguns bons parágrafos descrevendo cada coisa deste lugar”, não me instiga muito.
Você encontrará inúmeras histórias de ficção científica pulp com esse mesmo plot, algumas boas, outras genéricas e algumas que você vai precisar ter um pouco de paciência. Imagino ser esse o caso aqui.
Para os entusiastas de Jules Verne, especialmente aqueles familiarizados com sua obra, este conto pode ser uma leitura envolvente e cativante. No entanto, para mim, não conseguiu despertar meu interesse, e confesso que foi um desafio chegar até o final.
A história começa com a introdução dos personagens principais, Hector Servadac e Ben Zoof, quando um cometa passa próximo à Terra, na região de Gibraltar, levando consigo uma parte do território e algumas pessoas. Essas pessoas que acabam nesse cometa são de países diferentes uma vez que a região é ocupada por colonizadores. A partir desse ponto, os protagonistas embarcam em uma jornada de exploração e descoberta, enfrentando desafios e um novo cenário. Essa exploração é carismática em alguns momentos, tediosa em outros. A interação entre diferentes países é a melhor parte, como a cena em que o Capitão Francês se encontra com o Major Britânico John Oliphant e eles têm uma discussão sobre o território, debatendo se ele pertence ou não aos ingleses. Porém a história não foca em discussões geopolíticas, mas sim na aventura.
Quanto à narrativa em si, bem, o que posso dizer… Despejar seu conhecimento e explicar como seu mundo funciona é legal, uma vez. Duas vezes, tudo bem. Três vezes, sem problemas. Aqui, no entanto, achei excessivo.
Por exemplo, os personagens descobrem que a gravidade é diferente, e isso os leva a uma discussão sobre física. Logo depois, eles percebem que os dias estão mais curtos, o que desencadeia uma conversa astronômica. Quando notam que a água evapora mais rapidamente, surge uma explanação sobre pressão atmosférica. Decidem então navegar pelo oceano em busca de respostas, e a cada lugar que visitam, há uma explicação geográfica sobre como deveria ser aquela porção de terra. Esse é o acorde durante a maior parte da leitura.
Eu diria que, se você nunca leu nada de Jules Verne, não comece por aqui; não é um bom ponto de partida. Essa história está dividida em duas partes, sendo que a segunda parte pode ser encontrada na Amazing Stories Volume 1, n°2.

Esta história, escrita por H.G. Wells e publicada em 1901, é consideravelmente mais curta que a anterior. Aqui, somos apresentados ao Professor Gibberne, um químico que inventa uma substância revolucionária chamada de acelerador. Ao ser ingerida, essa substância faz com que o tempo pareça desacelerar para a pessoa que a consumiu. Em outras palavras, essa pessoa ganha super velocidade.
O cerne desse conto reside nas implicações e consequências de uma nova descoberta científica. É bem a abordagem de Wells em relação à ciência e à tecnologia; riscos e dilemas éticos do progresso. As críticas ao mercado e seus excessos não são sutis, mas também não estão impressas num outdoor. Isso faz os comentários sócias de Wells não serem cansativos.
A narrativa remonta o que se espera dessas histórias. Os personagens começam entusiasmados em experimentar essa nova tecnologia, mas logo descobrem que ela acarreta efeitos colaterais inesperados e perigosos. A ideia por trás do acelerador, a princípio, é fenomenal; a capacidade de realizar todas as tarefas necessárias em questão de minutos ou até segundos parece ser a solução perfeita, seria o fim daquele sentimento de falta de tempo que muitos enfrentam. No entanto, conforme exploram os novos “poderes” proporcionados pelo acelerador, confrontam-se com um banho de água fria.
A simplicidade da premissa é parte do seu destaque. Não estamos lidando com um vilão maligno ou com uma obsessão desenfreada que ultrapassa os limites da moralidade e da ética. Em vez disso, temos um inventor que se depara com alguns problemas ao concluir sua invenção. Questões como o aumento dos crimes, o uso abusivo do produto e os efeitos físicos de se mover em uma velocidade sobre-humana surgem, porém, não venha para uma discussão profunda. Como eu disse, é bem simples e cativante.
A narrativa consegue entreter o leitor ao explorar as ramificações de uma invenção que prometia ser revolucionária, mas que acabou por revelar-se problemática. Esse conto mostra como que um bom escritor consegue criar histórias com qualquer situação.
“The Man from the Atom” pode não parecer tão interessante nos dias de hoje, mas acredite, era genial para a época e ressoa até hoje na ficção científica. Escrita por G. Peyton Wertenbaker e publicada em 1923, nessa primeira parte — o conto não é concluído nesta edição — seguimos a desventura de um homem, o próprio narrador, que decide experimentar a invenção de um professor e amigo. Trata-se de uma roupa especial capaz de aumentar e encolher quem a está vestido. Porém, ocorre um problema no teste e a roupa faz nosso protagonista aumentar de tamanho infinitamente.

Conforme o personagem cresce, e cresce tanto a ponto de sair do planeta Terra, temos sua narração e descrição da experiência a cada novo marco que ele atinge. Uma mistura de grandeza, desespero e solidão diante da vastidão. Enquanto ele se afasta de tudo o que já conheceu, deixando até o mesmo o sol, cria-se um clima de desconhecido, trazendo uma fascinação e um pavor ou uma angustia. É uma história cujo sentimento se fixa bem na mente do leitor e a curiosidade o mantém até o final com uma nova situação intrigante, que certamente desperta a vontade de buscar a continuação desse conto. Parabéns, cliffhanger bem executado.
Não há nenhum desafio aqui, apenas nos fixamos nas estranhas sensações descritas pelo personagem, imaginando uma pintura de emoção e desespero até uma conclusão interessante.

“The Thing from— Outside” de George Allen England, publicada em 1923 em outra revista de Hugo Gernsback, é uma típica história de terror que nos leva por uma trilha de suspense, com uma criatura estranha e desconhecida perseguindo um grupo de pessoas perdidas.
Um grupo de americanos estão acampando. Tudo parece normal até que eles fazem uma descoberta intrigante: uma pedra com estranhas marcações. Logo, um membro do grupo, um geólogo, está convencido de que essas marcas tenham origem sobrenatural. A partir daí uma presença estranha começa a persegui-los e o grupo precisa lutar para sobreviver enquanto buscam voltar a civilização.
Os thrillers são mestres em capturar nossa atenção, e mesmo que você já tenha lido inúmeras histórias semelhantes, o senso de perigo iminente, a tensão entre os personagens, a luta pela sobrevivência e a curiosidade sobre a natureza da ameaça conseguem nos manter completamente absorvidos na trama.
Resta ao autor apenas enfeitar sua história com personagens minimamente cativantes e discussões que ajudem a preencher a narrativa com algo além de uma correria desenfreada, evitando assim que ela pareça vazia e desprovida de substância.
Agora, a estrutura do enredo é familiar:
somos apresentados a um grupo de pessoas, geralmente um deles é especialista em um campo de conhecimento,
eles encontram pistas de que algo incomum assombra as redondezas, o conhecimento do especialista acaba sendo importante aqui,
a partir daí a tensão do grupo se intensifica, já que alguns passam a acreditar que existe uma ameaça não natural enquanto outros insistem numa explicação natural,
por fim temos a “aparição” da criatura, seguido de fuga, uma vez após outra.
Um dos temas explorados nesta história é o conceito de inteligência e o que define um ser inteligente. A ideia de uma criatura invisível explora a noção de que uma consciência não precisa necessariamente de um corpo para habitar, pelo menos não um de carne.
A presença sinistra do conto seria uma inteligência, uma figura alienígena sem aparência, livre das limitações da forma física e superior ao ser humano.
O desfecho, é claro, não reserva muitas respostas, alimentando aquela inquietação do leitor. Para aqueles que já estão familiarizados com o gênero ou que talvez estejam saturados de thrillers semelhantes, “The Thing from— Outside” pode parecer uma história repetitiva e previsível. No entanto, para os que ainda têm espaço em sua estante para esse tipo de narrativa, especialmente considerando a época de sua publicação, vale a pena você dar uma olhada.
“The Man who Saved the Earth”, de Austin Hall, publicada em 1919, apresenta-nos a Charley Huyck, um menino que vende jornais, usando uma lente de aumento para intensificar a luz do sol e queimar um pedaço de papel. Admirado com a curiosidade do menino, um cientista, Dr. Robold, decide levar o garoto consigo. Mais tarde, quando partes da terra começam a desaparecer misteriosamente, deixando para trás apenas a devastação, é a vez de Charley, agora um cientista idealista, assumir a missão de salvar o mundo de uma iminente catástrofe.

A narrativa de Hall encarna perfeitamente o espírito pulp sci-fi, com um cientista se transformando em herói e embarcando em uma jornada para evitar o apocalipse. Só faltaram os imperadores orientais estereotipados e armas de raio laser.
A história trata de temas como destino e determinismo e como caminhamos para destruição inevitável prevista em cálculos científicos. Charley, no entanto, é um otimista sobre o desenvolvimento humano e o fato de que tais previsões sempre ignoram a capacidade da humanidade em se renovar diante da ruína.
A ameaça dessa história é bem sugestiva. Trata-se de uma esfera azul e opalescente que destrói tudo em seu caminho, uma ameaça que está drenando os recursos naturais da Terra. Charley decide partir em direção a uma montanha, sabendo que lá é o único lugar que pode deter o fim do mundo, o que confere um senso de urgência à trama.
Embora a história trate de uma catástrofe global, ela assume aspectos pessoais através do personagem principal. Quando chegamos na montanha, descobrimos a ligação de Charley com os eventos que assolam a Terra e sua parcela de culpa nisso tudo.
Certamente, temos aqui um protótipo dos filmes catástrofe, como os de Roland Emmerich. Apenas mais curto e com menos personagens. Sinceramente, eu não sei se “The Man who Saved the Earth” já tenha tido alguma adaptação para o cinema mas ela é um precursor visionário para o gênero e me surpreende ela nunca ter virado um filme do Emmerich.

Por fim, temos Edgar Allan Poe, trazendo mais um de seus contos bizarros, para variar. “The Facts in the Case of M. Valdemar” foi publicado pela primeira vez em 1845 e conta a história de um… hipnologista? Hipnólogo Hipnotizador?… que relata um experimento que realizou com o moribundo Ernerst Valdemar. Próximo de sua morte, Valdemar concorda em ser hipnotizado, numa tentativa de prolongar sua consciência mesmo após a morte.
Macabro? Sim. Genial? Sem nenhuma dúvida de que sim. Se você conhece o estilo de Poe, sabe como ele é mestre em escrever coisas grotescas e sentimentos medonhos. É uma história bem aos seus moldes; narrativa sombria, inquietante e que desafia os limites da ética e da moralidade.
O… hipnólogo… tem sucesso em sua investida. Ele hipnotiza o velho Valdemar e quando o homem sucumbe à morte, seu corpo permanece preso a hipnose, num estado semi-vivo, — ou semi-morto? O que parecer mais adequado.
No entanto, logo os problemas começam a aparecer. O corpo do senhor Valdemar se decompõe com o tempo dando lugar a uma visão horrífica de um ser decrépito, a uma imagem perturbadora de um corpo morto respondendo às suas perguntas. Sem contar no sofrimento que o próprio alvo da hipnose foi submetido; de estar ainda consciente mesmo depois de morto, preso numa carne decomposta. Uma agonia palpável.
É horrível de imaginar, mas Poe fez esse trabalho por nós.
É um conto essencial para os amantes do terror e uma adição indispensável à sua coleção de obras lidas de Edgar Allan Poe. Sua narrativa crua e assombrada merece um lugar de destaque.
Bom, é isso, esta coleção remonta à Amazing Stories Vol. 1, abrangendo ficção científica, terror e suspense. É claro que nem todas as histórias serão do agrado de todos, mas todas despertam nossa imaginação e um senso de entretenimento, como uma boa história pulp deve fazer. Essa análise nos leva de volta ao passado, destacando a atemporalidade e o poder duradouro de uma boa narrativa.
Fica evidente não apenas que Amazing Stories representa um marco histórico, mas também que as narrativas pulp continuam a inspirar até os dias de hoje. A ideia por trás desta análise é servir como uma porta de entrada para as visões malucas de vários escritores que deixaram suas marcas nessas revistas.
Espero ter despertado seu interesse por esse mundo da ficção pulp e não tê-lo matado de uma vez. Agradeceria se você deixasse seu comentário e seu feedback.
Até mais.
